WICCA
DÉBORA ELISA - GUERREIRA DA LUZ TXIPÓYA
WICCA
Espaço dedicado à Wicca
Conheça melhor a Wicca, orações wicca, rituais e feitiços wicca, celebrações wicca, artigos sobre a wicca…
WICCA:
Wych em saxão e Wicce em inglês arcaico significam "girar, dobrar, moldar". Uma palavra radical indo-européia ainda mais antiga, Wic, ou Weik, também significa "dobrar ou moldar". A palavra "Witch" também pode ter a origem na antiga raiz germânica Wit – Saber. A palavra "Wicca", que tem a mesma raiz que "Witch" - vem do inglês antigo "wicce", proveniente da raiz saxônica "wic'" e hoje está relacionada com religião e magia. Assim: Wicca era uma palavra do Inglês Antigo (pronunciava-se 'witcha') que significava homem sábio ou xamã sendo ‘wicce’ a forma feminina.
A Wicca surgiu no período Neolítico, em várias regiões da Europa, onde hoje se localiza a Irlanda, Inglaterra, País de Gales, Escócia, indo até o Sudoeste da Itália e a região da Britânia na França. Quando os Celtas invadiram a Europa, quase mil anos antes de Cristo, trouxeram suas próprias crenças, que, ao se misturarem às crenças da população local, originaram o sistema que deu nascimento à Wicca. Foi somente na Idade Média que a Bruxaria foi relegada às sombras com o domínio da Igreja Católica e a criação da Inquisição, cujo objetivo era eliminar de vez as antigas crenças.
A religião Wicca ressurgiu com o bruxo inglês Gerald B. Gardner que impulsionou o renascimento do culto, com o nome de Wicca, juntamente com outros bruxos e bruxas, em meados dos anos 40 e 50. Após a revogação da última lei britânica sobre bruxaria, em 1954 elelançou o livro “Bruxaria Hoje”, considerado um marco para o renascimento do paganismo mundial. Ele alegou que: a religião, na qual ele fora iniciado, era uma sobrevivente moderna de uma antiga religião da bruxaria, que tinha existido em segredo durante centenas de anos, originária do Paganismo pré-cristão da Europa. A Wicca é, assim, às vezes referida como a Velha Religião, ou a Nova Religião dos Velhos Deuses.
terça-feira, 8 de março de 2011
A LEI TRIPLICE
LEI TRIPLICE:
“TUDO O QUE FIZERES VOLTARÁ EM TRIPLO PARA TI!”
CONSELHO WICCA:
“FAÇA O QUE QUISER DESDE QUE NÃO FAÇA MAL A NADA NEM A NINGUÉM”
A religiao wicca baseia-se na Lei Triplice, lei essa que é aplicada tanto nos rituais mágicos, quanto no dia a dia, sendo pois um meio de vida da(o) bruxa(o) wicca.
A Lei Triplice ou a Lei de Três, é uma lei de reflexo, uma lei karmica de retribuição, que se aplica a qualquer acção, seja ela boa, seja ela má. Cada energia enviada regressa a quem a enviou (nesta mesma vida) com mais força, seja três vezes mais.
Assim se fizer um acto bom, que se traduz numa energia positiva, essa voltará para si mais dia menos dia. Se enviar uma energia negativa, essa energia, de igual forma fará seu percurso, e retornará ao enviante.
Tal lei em nada impede de exercer a magia, apesar de se entender que a magia por definição é o poder de alterar o estado natural das coisas. Você pode perfeitamente agir mágicamente no quotidiano, sem causar mal. A Lei triplice é uma noção ética da magia, é um limite moral, ainda que pessoal, ao lidar com os poderes mágicos: exercer a magia, viver a magia, fazer da magia o seu “way of life”, dentro de certos limites toleráveis. A intenção inicial, ao actuar mágicamente deverá então ser positiva e construtiva.
Outras regras wicca derivadas desta principal serão: “faça o que quiser, desde que para o bem”, “faça o que quiser desde que não cause mal a nada nem a ninguém”. Não existe um mal absoluto. Mas existem coisas indiscutivelmente ruins pelo senso comum: matar, privar de liberdade, causar danos físicos e emocionais a qualquer pessoa. Será a este tipo de “males” que a lei se refere.
Claudiney Pietro, no livro “Wicca – Ritos e Mistérios da bruxaria moderna”, diz que: “Quando interferimos no livre arbítrio de uma pessoa estamos efetuando um acto negativo contra a pessoa e contra nós mesmos. Quando um Bruxo faz isso, está trabalhando com a Baixa Magia, e ele pagará caro, pois o Universo nos retribui tudo o que emitimos aos outros numa escala de 3.”
Claudiney afirma igualmente que os feitiços são parte integrante do núcleo operacional da Wicca. O feitiço é “um conjunto de técnicas e conhecimentos específicos que quando colocados em prática, enviam uma projeção mental ao Universo”...”Um feitiço age directamente com a natureza”... “Tudo na natureza é vivo e possui energias específicas acumuladas”...”quando canalizadas corretamente, passam à agir em benefício daqueles que sabem utilizá-las”.
Lei Triplice:
A Lei Wiccana respeita,
Perfeito amor, confiança perfeita.
Viva e deixa viver,
Dá o justo para assim receber.
Três vezes o círculo traça
E assim o mal afasta.
E para firmar bem o encanto
Entoa em verso ou em canto.
Olhos brandos, toque leve,
Fala pouco, muito ouve.
Pelo horário a crescente se levanta
E a Runa da Bruxa canta.
Pelo anti-horário a minguante vigia
E entoa a Runa Sombria.
Quando está nova a lua da Mãe,
Beija duas vezes Suas mãos.
Quando a lua ao topo chegar,
Teu coração se deixará levar.
Para o poderoso vento norte,
Tranca as portas e boa sorte.
Do sul o vento benfazejo,
Do amor te traz um beijo.
Quando vem do oeste o vento,
Vêm os espíritos sem alento.
E quando do leste ele soprar,
Novidades para comemorar.
Nove madeiras no caldeirão,
Queima com pressa e lentidão.
Mas a árvore anciã, venera,
Se queimares, o mal te espera.
Quando a Roda começa a girar
É hora do fogo de Beltane queimar.
Em Yule, acende tua tora,
O Deus de chifres reina agora.
A flor, a erva, a fruta boa,
É a Deusa que te abençoa.
Para onde a água correr,
Joga uma pedra para tudo ver.
Se precisas de algo com razão,
À cobiça alheia não dá atenção.
E a companhia do tolo, melhor evitar,
Ou arriscas a ele te igualar.
Encontra feliz e feliz despede,
Um bom momento não se mede.
Da Lei Tríplice lembre também,
Três vezes o mal, três vezes o bem.
Quando quer que o mal desponte,
Usa a estrela azul na fronte.
Cultiva no amor a sinceridade,
Para receber igual verdade.
Ou um resumo, se assim preferes estar:
faz o que tu queres,
Sem nenhum mal causar.
No livro “Guia Essencial da Bruxa Solitária”, Scott Cunningham indica algumas regras de como utilizar o seu poder mágico, sem ter o triplo retorno, ou seja, para não ser punido pelo mau uso do poder:
1. O Poder não deve ser usado para gerar danos, males ou para controlar os outros. (Se surgir necessidade para tais atos, o Poder deverá ser usado apenas para proteger a sua vida ou de outros);
2. O Poder só deve ser utilizado conforme as necessidades;
3. O Poder pode ser utilizado em seu benefício, desde que ao agir não prejudique ninguém;
4. Não é sábio aceitar dinheiro para utilizar o Poder, pois ele rapidamente controla o que o recebe. Não seja como os de outras religiões;
5. Não utilize o Poder por motivo de orgulho, pois isto desvaloriza os mistérios da Wicca e da magia;
6. Lembre-se sempre de que o Poder é um Dom sagrado da Deusa e do Deus, e não deve JAMAIS ser mal usado ou abusado.
ENSINAMENTOS WICCANOS:
“1. Somos da Antiga Tradição, daqueles que caminham com a Deusa e com o Deus e recebem seu amor.
2. Conserve o Sabbats e Esbats para melhorar suas habilidades, caso contrário, diminuirá sua conexão com a Deusa e com o Deus.
3. Mal nenhum. Esta é a antiga lei e ela não está aberta para interpretações ou mudanças.
4. Que não jorre ou caia sangue nos rituais; a Deusa e o Deus não precisam de sangue para que sejam adorados de maneira apropriada.
5. Aqueles da nossa Tradição são bons com todas as criaturas, no entanto, aqueles que têm pensamentos negativos e nos esgotam inteiramente, não são dignos de nossa perda de energia. A miséria é auto-imposta, assim sendo, também a alegria, portanto crie alegria e despreze a miséria e a infelicidade. E tudo isto com sua força interior. Não há mal algum.
6. Ensine somente aquilo que você sabe, dê o melhor de si, para aqueles estudantes que você escolheu, mas não passe conhecimento para aqueles que poderiam usar seus ensinamentos para destruir ou controlar. Além disso, ensine sem vangloriar-se, se lembre sempre: aquele que ensinar por vaidade conseguirá somente um pouco de orgulho por seu trabalho; mas aquele que ensinar por amor será envolvido pelos braços da Deusa e do Deus.
7. Sempre se lembre disso se você pretende estar dentro da Tradição, mantenha a Lei próxima a seu coração, pois é a natureza do Wicca manter a Lei.
8. Se a necessidade chegar, nenhuma lei poderá ser modificada ou descartada, e se novas leis forem escritas para substitui-las, contanto que estas novas leis não descaracterizem as antigas: não há mal algum.
9. Bençãos do Deus e da Deusa para todos. “
WICCA- DEFINIÇÃO,PRINCIPIOS E PRÁTICAS
Definição:
A Wicca é uma religião Neo-pagã fundamentada nos cultos da fertilidade que se originaram na Europa Antiga. A tradição Wicca e seus termos são baseados em diversas culturas do paganismos antigo.
Os seguidores da Religião Wicca são chamados de Wiccanianos, Wiccanos, Wiccans ou Bruxos.
Princípios orientadores:
Os Wiccans (ou wiccanos) acreditam que as divindades se apresentem tanto nos aspectos masculinos quanto os femininos.
Não existem "entidades do mal" nas crenças Wiccans, assim como os Deuses não se encontram separados dos humanos. Eles transcendem toda energia e matéria do universo. Estas energias podem ser tanto positivas como negativas e são utilizadas pelos humanos em cada dia de suas vidas.
A Wicca é uma religião orientada para a Natureza, onde os wiccans procuram um equilíbrio espiritual, utilizando as energias, de forma a direccioná-las positivamente para suas vidas e das pessoas em seu redor. O uso destas energias é chamado de magia ou "magick".
Os wiccanianos não aceitam o conceito arbitrário do pecado original ou do mal absoluto, e não acreditam em céu ou inferno. Eles crêem que quando morremos, vamos à Terra de Verão (ou Terra da Juventude Eterna), onde recobramos nossas forças e nos tornarmos jovens novamente.
A Wicca é uma religião iniciática, e pode ser praticada tanto de forma tradicional quanto de forma solitária.
-Nas formas tradicionais, os praticantes avançam através de "graus" pré-definidos de iniciação e geralmente trabalham em círculos.
- Nas formas solitárias, os praticantes geralmente se auto-dedicam e auto-iniciam nas práticas da Wicca, e depois normalmente a praticam sozinhos. Algumas vezes, solitários são iniciados por outros sacerdotes ou sacerdotisas antes de estabelecerem sua prática.
Várias Tradições & várias práticas:
A religião Wiccaniana é formada de várias tradições como: a Gardneriana (tradição que segue os ensinamentos e praticas estabelecidos por Gardner), Alexandrina, Diânica, Tânica, Georgiana, Tradicionalista, Ética e outras, pois existem muitos praticantes que não pertencem a nenhuma tradição estabelecida, mas criam a sua própria forma de culto (ecléticos) aos Antigos Deuses.
Há uma enorme quantidade de variações sobre as crenças e as práticas Wiccanas:
A prática Wiccana mais comum cultua duas Divindades, a Deusa e o Deus, algumas vezes chamado de Deus Verde, Deus Caçador, Deus Criança, etc...
Algumas tradições, principalmente as denominadas Tradições diânicas enfatizam o culto da Deusa, outras dão ênfase ao Deus e a Deusa como complementos de toda a criação, como no caso a Tradição dos Pentáculos. Em alguns casos, o Deus tem um papel diminuído. Alguns praticantes discordam dessa posição, dizendo não haver razão para realizar as celebrações ritualísticas mais importantes sem a presença das duas polaridades. Outros praticantes vêem a Deusa como o Todo, sendo assim o Deus apenas uma parcela da Deusa.
WICCA- O 13º SIGNO E O CALENDÁRIO WICCANO
O 13º Signo e o Calendário Wiccano
Muita gente que está estudando Wicca se pergunta porque os pagãos têm um calendário de 13 meses com 28 dias cada. Qual seria o 13º mês? E porque 13? Porque não 12 ou 14? O que tem de especial esse número?
Para entendermos a simbologia do número 13, devemos voltar no tempo e analisar os mistérios que envolvem esse enigma.
Para os antigos praticantes de bruxaria (celtas, druidas, vikings, etc.), a divisão do calendário não era como conhecemos agora. Eles se baseavam nas estações do ano e os solstícios e equinócios de cada época correspondente. Por exemplo, se analisarmos os nomes dos dias da semana em inglês, veremos que têm uma influência tipicamente pagã:
« Sunday: dia do Sol (“sun” – Sol, “day” – dia).
« Monday: dia da Lua (“mon” - variação de “Moon”, Lua).
« Tuesday: Toad's Day, dia do Sapo (o significado é desconhecido, se crê que as bruxas comprovavam a gravidez de uma mulher colocando um sapo vivo à vista. Se a jovem sentia náuseas a gravidez era confirmada); ou então vem de “Tui”, o saxônico Marte, ou seja, dia de Marte.
« Wednesday: pode ser Wedding's Day (dia de casamento), Wooting's Day (Dia de Odin, deus supremo dos vikings), ou então Woden que é Mercúrio.
« Thursday: Thor's Day, dia de Thor, o famoso deus trovão, filho de Odin.
« Friday: Frigg's Day. Frigg (ou Frygga, - Vênus) era esposa de Odin.
« Saturday: Sabbath's Day, dia de sabá, ou Saturn’s Day, dia de Saturno.
Nosso ano de 365 dias e 1/4 (que seria o ano bissexto cada 4 anos) foi adaptado por um clérigo Italiano chamado Gregorius, no século XII. Ele teve que disfarçar as festas pagãs de acordo com as festividades cristãs e é por isso que algumas são muito semelhantes, com a diferença de dois ou três dias, cada uma.
Por exemplo: Ostara é a Páscoa, Yule é o Natal, etc. Porém, ele tirou o 13 mês, já que, naquela época, as bruxas eram consideradas portadoras do mal e da má sorte. É daí que provém a superstição do azar do número 13.
Entretanto, se voltamos no tempo ainda mais, nos surpreendemos ao ver que, no Antigo Egipto, esse número não tinha nada a ver com má sorte ou o mal.
Como é sabido de todos, os egípcios foram praticamente os criadores da base para a Astrologia moderna. Seus métodos de analisar o céu até hoje impressionam os arqueólogos mais renomados.
Foi descoberto no teto do templo de Dendera, um calendário zodiacal com os 12 signos do Zodíaco moderno (Áries, Câncer, Touro, etc.) e um 13º signo chamado Ofídius, simbolizado pela serpente. Para eles, esse réptil era considerado símbolo da energia solar e de poder. No Zodíaco de hoje, Ofídius foi retirado, já que para muitos, a serpente é um animal maldito. Basta lembrar que foi ela quem "tentou" Eva no Paraíso, segundo as lendas judaico-cristãs.
Porém, para os egípcios, o calendário de 13 signos significava a perfeição do céu. Era dividido em 13 casas com suas correspondências zodiacais, formando um círculo perfeito de 360 graus, já que, este calendário era de 360 dias, simbolizando a harmonia entre o céu e a terra, a noite e o dia e os humanos com os deuses.
Entretanto, o mistério não pára aqui. Para essa cultura milenar, seu país era um espelho do céu e o Nilo equivalia à Via Láctea. De fato, como já foi observado por muitos egiptólogos e investigadores, essa ideia presidia na localização, disposição e orientação dos edifícios sagrados.
A maioria das pessoas não sabe, mas, em um determinado momento do ano, no verão, em uma específica hora da noite, o Nilo, perto da Grande Pirâmide, está perfeitamente alinhado com a Via Láctea (e as três pirâmides com a Constelação de Órion), como se fosse sua continuação. Quem presenciou esse fenómeno, conta que ficou assombrado diante de tal maravilha.
Além do mais, o Nilo é o único rio do mundo que corre de Sul à Norte (comprovado cientificamente). Para os físicos e geólogos, isso é um total mistério, já que todos os rios do planeta correm ao contrário, ou seja, de Norte a Sul. Essa peculiaridade do Nilo só poderia ter sido modificada artificialmente milénios atrás, segundo os científicos. Por quem, por quê e como, não se sabe. Os investigadores somente chegaram a uma única conclusão: que se o Nilo não "funcionasse" assim, a cultura egípcia não teria sobrevivido e prosperado, já que dependiam de suas águas para transporte e alimento.
Enfim, não seria possível atribuir ao "azar" o saber que rege o calendário solar egípcio. Pouco a pouco vamos detectando fragmentos desse legado secreto. Porém, ainda falta completar o quebra-cabeça para decifrar e desvelar o mistério que contêm. Uma mensagem transmitida por uma misteriosa fonte que, por alguma razão, sempre preferiu manter à sombra sua atividade civilizadora ao serviço da evolução do homem.
(Fonte: Texto por Ellora Danan)
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
LAMMAS, JESUS EA COLHEITA FELIZ
Lammas, Jesus e a Colheita Feliz
Dia 2 de Fevereiro comemoramos no hemisfério Sul a celebração de Lammas, um dia sagrado no paganismo cuja origem remota aos cultos egípcios de fertilidade. Também comemoramos o Dia de Iemanjá, uma das mais importantes orixás dos cultos africanos; além disso, relacionados ao ritual de Lammas, Jesus e os Apóstolos nos darão dicas de como agradecer por sua Colheita Feliz. E, por mais incrível que pareça, todos os assuntos acima estão interligados!
Lammas é um dos oito Sabbats da Roda do Ano Celta/Wicca. Os quatro Sabbats principais (ou grandes) correspondem ao antigo ano gaélico e são chamados deCandlemas, Beltane, Lammas e Samhain. Os quatro menores são Equinócio de Primavera, Solstício de Verão, Equinócio do Outono e Solstício de Inverno.
Lammas, que ocorre entre o Solstício de Verão (Litha) e o Equinócio de Outono (Mabon), é a festa da primeira colheita, uma época de agradecimento aos Deuses por tudo o que colhemos. Agradece-se ao que foi bom e também ao que pareceu ruim, pois no paganismo crê-se que tudo o que acontece na vida faz parte no caminho evolutivo de cada um.
Lammas (ou Lughnasadh) é comemorado em 1 de Agosto no hemisfério Norte e 2 de Fevereiro no hemisfério Sul. O nome Lughnasadh veio duma festa agrícola típica dos celtas. Uma festa da colheita em honra ao deus céltico do Sol: Lugh (considerado o maior guerreiro dentre os celtas, pois derrotou os gigantes que exigiam sacrifícios humanos). Já o nome Lammas significa “Missa do Pão” (loaf Mass), que representa o alimento (geralmente pão ou bolo ou qualquer outra massa) feito com os grãos, que representam a colheita, e repartido (como alimento sagrado) entre os sacerdotes ou família ou mesmo entre amigos.
Este ritual já era praticado desde o Antigo Egito, logo após o período das cheias do Nilo (que ocorriam entre Junho e Setembro), período no qual aconteciam as principais colheitas e correspondiam aos signos de Ísis, Rá, Neit e Maat. Nestas celebrações, os sacerdotes, em número de doze (cada um representando um dos signos do zodíaco egípcio), juntos do Sumo-Sacerdote responsável pela celebração, reuniam-se neste sabbat para agradecer aos deuses pelas graças alcançadas. Nestas celebrações, eram usados o pão (que representava o trigo colhido em sua forma final) e o vinho (que representava as uvas em sua forma final), que eram repartidos entre todos durante o ritual. Esta celebração também era realizada em outras datas festivas, como o Pessach.
Lammas e a Eucaristia
Este ritual foi praticado por Yeshua e seus discípulos e acabou se tornando conhecido como a “Santa Ceia” pelos católicos. Nos evangelhos, a Última Ceia (também chamada de “Ceia do Senhor” ou “Ceia Mística”) foi a última refeição compartilhada por Jesus com os doze apóstolos antes de sua “morte e ressurreição”. A Última Ceia tem sido objeto de várias pinturas, sendo a mais famosa o afresco de Leonardo da Vinci em Milão, pintada em 1498, repleta de referências Astrológicas.
Durante a Última Ceia, e em referência específica ao tomar o pão e o vinho, Jesus contou aos seus discípulos, “Façam isso em memória de mim”, (1 Coríntios 11:23–26). Outros eventos e diálogos foram gravados nos Evangelhos Sinóticos e no de São João. Todas as igrejas cristãs interpretam o descrito como a instituição da Eucaristia.
O vaso que era usado para servir o vinho ficou conhecido também como o “Cálice Sagrado”, e tem sido um dos supostos objetos da literatura do “Santo Graal” na mitologia cristã (embora fique claro que são duas taças distintas na mitologia católica). Eu já falei sobre isso em colunas anteriores, procurem…
A Última Ceia ocorreu na véspera da morte de Jesus. O Novo Testamento narra que Jesus pegou no pão em suas mãos, deu graças e disse aos Seus discípulos: “Este é o meu corpo que será entregue a vós”. Do mesmo modo, ao fim da ceia, Ele pegou o cálice em suas mãos, levantou ao alto e disse aos seus discípulos: “este é o meu sangue, o sangue da vida que será derramado por vós.”
O que o Ritual representa?
Atualmente, este ritual têm sido realizado como um ato simbólico, representando um agradecimento por tudo o que conseguimos colher neste período (sejam realizações materiais, intelectuais, emocionais ou espirituais). A sociedade atual e materialista (na qual “ser feliz” significa “ter dinheiro”) possui a mentalidade nefasta de estar sempre pedindo, pedindo, pedindo… mas poucos têm a humildade de agradecer; Lammas é um ritual que nos lembra exatamente disso. Agradecer pela colheita feliz que temos em nossas vidas. Como Jesus fez, os sacerdotes egipcios faziam antes dele e os magos celtas fazem até hoje.
Iemanjá e o 2 de Fevereiro
Agora sabemos o porquê da festa de agradecimento aqui no Hemisfério Sul, mas que relação isto teria com Iemanjá, senhora dos mares na Umbanda e no Candomblé?
A resposta é simples: basta entender como a Roda do ano funciona. Em Salvador, ocorre anualmente, no dia 2 de Fevereiro, uma das maiores festas do país em homenagem à “Rainha do Mar”. A celebração envolve milhares de pessoas que, trajadas de branco, saem em procissão até ao templo-mor, localizado próximo à foz do rio Vermelho, onde depositam variedades de oferendas, tais como espelhos, bijuterias, comidas, perfumes e toda sorte de agrados. Isso porque Iemanjá foi sincretizada à Nossa Senhora dos Viajantes, uma das diversas versões de Nossa Senhora que teve origem em Portugal no século XV. mas N. S. dos Viajantes foi uma adaptação da Santa conhecida como Nossa Senhora das Candeias (velas) ou Nossa Senhora da Candelária.
Esta santa, por sua vez, foi uma “adaptação” (para não dizer que os Católicos surrupiaram as datas das principais festas pagãs de novo) das festividades de Candlemas, também conhecido como Imbolc, Oimelc e Dia da Senhora.
Candlemas é o Festival do Fogo que celebra a chegada da Primavera. O aspecto invocado da Deusa nesse Sabbat é o de Brígida, a deusa celta do fogo, da sabedoria, da poesia e das fontes sagradas. Brigit também é conhecida como a Deusa-Tríplice, Senhora da Lua, filha de Dagda e uma das Tuatha de Danann. Uma versão celta da própria Ísis.
Como os sabbats são invertidos no hemisfério Norte e Sul, então enquanto comemoramos Lammas aqui no Brasil, os Europeus comemoram… isso mesmo! Candlemas!
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
O PROCESSO DA CURA NA CULTURA POPULAR
CAUSAS APONTADAS PELO POVO: AGOURO (AGOIRO) Diversas coisas são proibidas por agourar a mãe. SOPRO Soprar no pó é sinônimo de feitiço. Dizem: As coisas da macumba vem pelo ar. URUCUBACA, ENCANTAMENTO, COISA FEITA e FEITIÇO e FÓRMULAS MÁGICAS Obra de fada, bruxo ou feiticeiro. Por sua ação mágica e seu poder sobrenatural, um monstro pode ser um príncipe encantado. MANDAR O mal que nos aflige pode ser um mal mandado. PRAGA Rogar praga pode causar uma doença ou o atraso. MAU-OLHADO ou OLHO RUIM Energia negativa que faz o outro adoecer de quebranto principalmente crianças. FUMAÇA Trabalho feito pelo mestre do catimbó. Fumaça às direitas indica todo o trabalho para o bem, cura de doença, conselho, desmanche de feitiço, oração de proteção. Fumaça às esquerdas é o trabalho para o mal, desmanchar casamento, causar doença, atrapalhar negócios. ESPÍRITO MAU e ENCOSTO Causa: um espírito mau e os vermes de doentes, possessos de demônio ou encosto. Precisa de exorcismo. VONTADE DE DEUS ou Castigo. Pode ser obra de algum santo malino, quando o povo não cumpre a promessa feita. OMOLU ou OMULU Na Bahia, o “orixá da peste e da bexiga” tem o título de médico dos pobres, mas pode assustar os humanos. Na umbanda, Omolu é divindade da lepra e da peste. OSSÁIN ou OSSÃE O orixá, senhor das folhas medicinais e rituais, também as venenosas. LUA NOVA A lua pode endoidar e influencia a menstruação das mulheres. SOL As orações contra dor de cabeça pretendem tirar o sol da cabeça. AR BRABO, MAU AR e MAL-DE-VENTO-EXCOMUNGADO O mesmo que ar brabo, ar estupor, moléstia do tempo. Cortam o vento colocando uma tesoura aberta, isto é em forma de cruz. Poderia trazer coisa ruim(doença, coisa mandada). CALOR DO FOGO Os que lidam com o calor do fogo correm o risco de pegar uma constipação quando ao mesmo tempo se expõe ao frio da chuva ou do vento. É uma espécie de derrame cerebral ou congestão. Também chamado ar-estupor.MOSCAS e MOSQUITOS causam bicheira, dengue, malária. CAUSAS DA CEGUEIRA: catarata, glaucoma, varíola, sarampo, diabete. VENENO: Cobreiro vem de aranha, lagartixa, sapo e todos os animais que tem peçonha. Picada de cobra. BACILOS: causam cólera e hanseníase. MICRÓBIOS: causam a doença de chagas. O termo moderno entrou numa oração da tradição oral contra dor de dente: Santa Apolônia, que por amor de Jesus fostes martirizada, dizei comigo estas palavras, fazendo comigo o sinal da cruz sobre o lugar dolorido. † Por minha ordem afasta-te, mal. † Se for uma gota de sangue, secará. † Se for um verme ou micróbio, morrerá. Assim seja. Rezar um Creio em Deus Pai.8 PARASITAS causa a esquistossomose. VERMES causam dor de dente. ARROTO DA CRIANÇA NO PEITO DA MÃE deixa o peito arruinado.OUTRAS CAUSAS: OS HUMORES DO CORPO: Segundo as antigas teorias dos humores do corpo, o desequilíbrio dos fluidos causava doença. As doenças podem ter três causas. A primeira depende da vontade humana: alimentação, tipo de trabalho, descanso, relações. A segunda está no clima, mudança de temperatura, ventos, estação do ano. A terceira consiste em fatores hereditários. Em caso de doença, supõe-se que todo homem possui uma força curadora que promove o equilíbrio dos humores. QUATRO ELEMENTOS: Terra, água, ar e fogo. O antigo livro do “Lunário Perpétuo”9 elabora as ligações entre os quatro elementos, as quatro estações, as qualidades: quente,frio, seco e úmido, e os quatro humores: sangue, fleuma, melancolia e cólera. Para entender a cultura popular precisamos lembrar-nos sempre dos quatro elementos e da influência cósmica. A doença (a dor) é soprada; dor e febre (calor) são mandados para a água: o fundo do mar, para tirar o sol da cabeça põe-se uma garrafa d’água na cabeça, em nome de Deus. Os quatro elementos aparecem nas orações populares contra queimaduras. RESUMINDO E RETOCANDO AS CAUSAS: Mesmo não separando vida e religião(profano e sagrado), o povo sabe muito bem a diferença entre remédio e reza. - Uma esconjuração ou um exorcismo visa afastar um espírito mau, o demônio, um encosto ou alguma outra causa espiritual.- Outras orações pedem a Deus e aos santos para os remédios funcionar, ou para mostrar misericórdia e abrandar um castigo. - Apertar, puxar, endireitar servem para pôr um osso rendido, uma espinhela caída ou uma arca no seu devido lugar. - Fazer sangria, dar purgante, banhar podem buscar o equilíbrio dos humores do corpo. - Simpatias e amuletos tentam atrair as influências favoráveis do elemento mineral, vegetal, animal e mesmo cósmico. - Plantas medicinais corrigem o mau funcionamento algum órgão do corpo. Antibióticos eliminam bacilos e micróbios, segundo o povo. - Em muitas doenças, as causas e os remédios são vários. A bênção juntamente com o remédio visam salvar o doente como um todo. NOTA: CAUSAS NA MEDICINA INDÍGENA O médico Marcos A.Pellegrini, narra a tragédia dos yanomami no seu livro “Wadubari”. Segundo o autor, a medicina ocidental combate a causa instrumental das doenças que no caso da malária é o ‘plasmodium’. Pela lógica médica indígena, para combater a malária deveria-se lutar contra a sua causa última, que é a ganância dos garimpeiros pelo ouro.10 [Image]LUNÁRIO PERPÉTUO (Verbete do “Abecedário da Religiosidade Popular, vida e religião dos pobres no Brasil”, de Frei Francisco van der Poel e Lélia Coelho Frota. 2001, no prelo.) Livro conhecido na Rel.Pop.brasileira, cujo título completo é "O non plus ultra do Lunário e Prognostico perpétuo geral, e particular para todos os reinos e províncias." Composto por Jerônimo Cortez Valenciano. Emendado e traduzido em português por Antonio da Silva Brito. Lisboa, Typ.de Matias José Marques da Silva, 1858. A primeira edição em português é de 1703. • Na edição de 1757, consta: - "Emendado conforme o Expurgatório da Santa Inquisição e traduzido em Português por Antônio da Silva Brito". • Segundo Julio Caro Baroja, a primeira edição em Espanhol saiu em 1594. E em 1494, já existia em Barcelona o “Lunari i Repertori del Temps” de Bernardo Granolach.1) • Trata-se de uma obra importante e curiosa que resume e explica de modo popular os conhecimentos do mundo na era que antecede o surgimento das ciências modernas. Nela não há separação entre vida e religião.• O Lunário conta o ano por luas. Começa tratando das divisões do tempo e do mundo. Mostra a importância dos quatro elementos e dos astros(signos, planetas, sol e lua). Dá ensinamentos sobre plantas, árvores, animais, e sobre a vida dos homens e dos povos em cada mês, e sobre todos os planetas. Fala dos quatro humores do corpo. Dá atenção especial às idades da lua, suas conjunções com os signos do zodíaco e seus efeitos sobre o mar e sobre a produção dos mantimentos. Explica o que os signos tem a ver com o destino dos homens e das mulheres. Fala dos eclipses. Faz prognósticos sobre o tempo para todo sempre. Dá orientações práticas sobre purgas, sangrias e ventosas. Dá explicações sobre saúde e doenças. Relata sinais de peste, de terremotos, de carestia; sinais de chuva, vento e seca. Ensina muitos remédios. Dedica algumas páginas ao Responso de S.Antônio e ao Agnus-Dei. • O Lunário já foi muito usado no Brasil. v.Folhinha de Mariana. Ainda se encontram exemplares do lunário entre o povo. A expressão: -Tem coisas que no lunário não tem, significa raridades.2) • O "Lunário e Prognóstico Perpétuo" de Jerônimo Cortêz Valenciano continua sendo editado em Portugal pela Editora Lello e Irmão, porém "reformado e muito acrescentado". Por ex.: na edição de 1980, corrigiram todos os cálculos dos tempos e conjunções da lua que andavam afastados da verdade. Também colocaram muitas novidades úteis e divertidas. Ao mesmo autor é atribuído um livro chamado "Fysiognomia e vários segredos da Natureza"(Lisboa, 1699). • Outro lunário encontramos no Repertório dos Tempos(1593). • Verbetes afins: v.Astrologia. v.Secular Livro da Bruxa. _______________________Nota 1: BAROJA, Julio Caro. Verbete: - “Lunario”. In: BARRIENTOS, Joaquín Álvarez. et allii. Dicionario de Literatura Popular Espanhola. Salamanca, Ed.Colegio de España, 1997. p.197. Nota 2: MOTA, Leonardo. Adagiário Brasileiro. Belo Horizonte: - Itatiaia; São Paulo: - Ed.da USP, 1987. p.217. [Image]Capítulo: 4.R E M É D I O S, S I M P A T I A S E R E Z A S R E M É D I O SO remédio que resolve problemas graves é chamado um “santo remédio”.Dizem também: Deus querendo, água do pote é remédio.A: - P L A N T A S M E D I C I N A I S :São administradas em chás, garrafadas, xaropes, cheiros e defumadores, em banhos e em banhas. - É bom lembrar que não só raizeiros conhecem raízes, sementes e folhas. Todos conhecem e usam as plantas medicinais: quebra-pedra, boldo, carqueja, hortelã. Especialmente, o conjunto das mulheres de uma rua ou bairro cultiva o conhecimento das plantas. Quando alguém adoece, as comadres conversam. Uma sabe o que é bom, outra sabe onde cresce. Vão aqui aqui apenas alguns exemplos do uso das plantas e sem nenhuma garantia da parte do autor deste artigo. AGONIADA Planta medicinal para tratamento das doenças do útero, dos ovários, da asma. Cura corrimentos. ANGICO Planta medicinal. Misturado ao olho-de-goiaba e à casca do pajeú, é usado como remédio contra veneno de cobra(BA,médio São Francisco). ASMA Remédio contra asma: Toma-se três raízes de erva cidreira(socadas) e três casas de “Maria Barreira”(marimbondo). Depois de tudo fervido e coado, tomar o chá. CAJU Como remédio, o caju é bom para tosse de cachorro, depurar o sangue, contra escorbuto, afta, cólica intestinal, males dos rins. A cinza serve para dentifrício. A casca, boa para tirar cansaço. O óleo da castanha é útil para desinfetar e para verme no intestino, ajuda na cura de eczema e de hanseníase, cicatriza verruga e úlceras. O suco da fruta, entre outras coisas, é bom para tratar diabetes, sífilis, icterícia, dores de mulher. CAPIM-AÇU É bom para o pulmão e cura coqueluche, que chega a prejudicar as vistas da criança. Usam o sumo do capim-açu com leite de égua. É um remédio quente. Também levar a pessoa para dentro do rio de manhã cedo e mergulhá-la três vezes dentro da água. Existem ainda as simpatias para curar coqueluche: casinha de “Maria Barreira”. O governo promove a vacinação preventiva e obrigatória. GUINÉ Planta medicinal, mas fedorenta. A raiz é remédio fino, diurético, depurativo do sangue, traz alívio na dor de dente, e é abortivo. Guiné na cachaça de uso externo é bom para reumatismo. Doses elevadas podem levar à morte. Defumatório de folhas de guiné nas sextas-feiras às portas das casas ou dentro delas é usado como preservativo contra mandingas e coisas-feitas. Há figas esculpidas em guiné, e Santo Antônio de Guiné. A COLHEITA DAS PLANTAS MEDICINAIS Há plantas que, por mistério, apenas aparecem em determinada hora ou dia. Há plantas que ganham mais força quando são colhidas no dia de certo santo, por exemplo na noite de São João ou em Sexta-feira Santa. O curador em busca de plantas medicinais poderá pedir licença: Deus te salve, laranjeira que venho te visitar. Venho te pedir uma folha para nunca mais voltar.11 Segundo os raizeiros, há plantas encantadas que só são encontradas após certas cerimônias. O mesmo existe na Angola. - É costume plantar para o uso medicinal, um pouco de alho, fumo, arruda, na Sexta-feira da Paixão(o dia da salvação). É impossível separar a planta medicinal da religião. A própria rezadeira benze e ensina as plantas. Há muitas plantas com nomes religiosos: espinheira santa (Neutraliza o ácido, por isso é boa contra úlcera no estômago. O suco cura até bêbados. Encontrada na região de São Paulo ao Rio Grande do Sul.) malva-de-São-Francisco, São-Caetano, Santo Inácio, Vassourinha de Nossa Senhora, raiz-do-Espírito Santo, etc.. B: - O U T R O S R E M É D I O S BANHA Pomada da medicina popular. Exs: banha de jibóia é boa para reumatismo; banha de capivara para zoeira nos peitos; banha de canela da ema para surdez; banha de galinha é bom para perebas e tumores; banha de jacu é usada na asma e chiadeira do peito; banha de porco desinflama panariz e, derretida na pinga, cura embriaguez. Banha de traíra cura dor de ouvido. CORDÃO UMBILICAL É guardado e usado para remédio: chá de cordão é usado contra epilepsia. CREOLINA Remédio caseiro contra a malária e dor de dente. Num gargarejo, cura dor de garganta. Umas gotinhas no café da manhã curam a gripe. Na água do banho, para curar caruara, frieira e feridas e ficar com a pele lisa. Ela pura cura bicheira. RISCADO DE CINZA Cura empazinado. Barriga doendo, porque cheia de gaz. Remédio: riscado de cinza de fornalha. Beber a água e passar a borra em cruz no umbigo. Observamos a não-separação de remédio e reza. LEITE MATERNO Usado como colírio. PEDRA-DO-BUCHO O mesmo que maçã, benzoá, bezoar. Trata-se de uma bola compacta de pelos(tricobenzoar) ou vegetais, formada no estômago dos ruminantes. É usada, entre outros, contra a lepra(no Vale do Jequitinhonha.MG). PICUMÃ ou PUCUMÃ Fuligem do fumeiro, às vezes usado em remédios e para curar o umbigo de recém-nascido. RAPÉ Pó de fumo de rolo, torrado e moído. Dor de barriga de menino é curada com três cruzinhas de rapé em cima do umbigo. Há também o rapé de emburana macho.O povo distingue: remédio fino, remédio fresco e remédio quente: REMÉDIO FINO Provoca suadouro. Por isso o doente não pode se molhar na água fria de chuva ou banho. Remédios finos: (Alguns exemplos) - Gendiroba (torrada e moída) tomada sem dieta, um baguinho só, é bom para dores de cólica e de estômago; (Com sebo) pomada contra dores de reumatismo. - Guiné (raiz na pinga) bom para dor e reumatismo. Contra mordida de cobra. - Pau-de-ovelha (muqueca quente) bom para reumatismo e dor. - Folha da negra-mina (folha amarrada na cabeça) bom para dor de cabeça e ar-de-estupor. - Alho (chá) contra dor de dente. - Jalapa (doce de jalapa) contra vermes. REMÉDIO FRESCO ou FRIO O remédio fresco, chá fresco, refresca o corpo por dentro. Cura mau-estar da vista, dos rins, fígado e intestino. Remédios frescos: açafroa, quina, quebra-pedra, salça, jalapa, picão, poejo, peroba rosa, tiuzinho, limão, folha de abacate, água-da-colônia (raiz), cipó-de-São-João (raiz), pimenta malagueta, tomate, limão e caju. Folha de caju (folha seca?) cozida e adoçada é ótima. REMÉDIO QUENTE O remédio quente põe a doença e o calor para fora do corpo. Usado nas doenças Sarampo, febre, catapora, coqueluche, bixiga, gripe, asma, e outros. Remédios quentes: carro santo, pimenta-do-reino, raiz de fedegoso, cravo, amendoim, alfavaca, unha danta, sabugueiro, gengibre, agrião, hortelã, limão (assado), laranja tanja, levante, anador da farmácia e outros. Alguns destes são remédios finos. O remédio quente incomoda o fígado, os rins e o intestino. [Image]S I M P A T I A S : Entre remédios, rezas e simpatias, o remédio e a reza são os mais fáceis de definir. A simpatia, como elemento menos racional, é mais difícil de entender. Não é um remédio nem uma medalha. A própria palavra simpatia já sugere um coisa que não se explica. Vejamos: uma criança não caminha bem. A mãe pega na teia de aranha aquele bolinha amarela que é formada pelos ovos da aranha, e esfrega-a na perna da criança. Que é isso? Alguém poderia dizer: Ali tem cálcio, tem proteínas, fazendo assim da simpatia um remédio. Está errado! Observem: a aranha caminha que é uma beleza. A mãe passa os ovos da aranha na perna da criança imaginando que a agilidade da aranha passe para a criança. É isso aí. Outros banham a perna da criança com chá de pé de veado, pelo mesmo motivo. Criança gaga bebe água da campainha do altar. Esperam que o som desembaraçado da campainha que faz todos levantar e ajoelhar na igreja, passe para a criança. Mas como pode? Não sei. Eu já não disse que as simpatias não se explicam! Os exemplos que dei, ainda parecem ter alguma lógica. Outros não tem nenhuma. Há simpatia de amor, de boa sorte, para ganhar no jogo. Há simpatias que a pessoa envolvida não pode saber. Outras a própria pessoa faz. Na medicina popular, as simpatias servem para curar verrugas, hemorróidas, asma, epilepsia, soluço, para o cabelo crescer, para não secar o leite materno, na hora do parto e para sair a placenta. Muitas vezes aparecem em conjunto com remédios e rezas. Há simpatias de prevenção: por ex., para fechar o corpo. A palavra ‘simpatia’ vem do grego, “sentir juntos o mesmo”. Parte fundamental da medicina popular, as simpatias vem de tempos remotos. Um médico suíço do séc.XVI, Paracelsus, julgava necessária a “antiga arte de fazer uma simpatia com a doença”. Esta prática parece ter vindo do antigo Egito. A simpatia revela uma diferença entre a terapia puramente intelectual e outra pelo curador que conhece a doença por experiência própria e que peleja com o sofrimento dos outros. O amuleto é uma espécie de simpatia. Embora a simpatia não se explique, o funcionamento da simpatia supõe alguma relação íntima entre homens, animais, plantas e planetas. A intuição desta profunda união não leva em conta as leis de causa-fim. Por ex.: para secar o leite materno a mulher põe ao pescoço um cordão de talos da mamona. Fazendo uma simpatia, as pessoas buscam na ação a concretização de um desejo. O uso das analogias para encontrar remédios é antiquíssimo. Mas foi Paracelso(1493-1541) que elaborou um sistema lógico a respeito. Seguem mais alguns poucos exemplos tirados da medicina popular: EMPELICADO ou APLICADO Diz-se da criança que nasce coberta por uma película. Nasceu empelicado quer dizer, nasceu para ser feliz e ter boa sorte. Alguns colocam a película, depois de seca, como simpatia no travesseiro da criança, sem ser revelada.(Araçuaí.MG.1991.) HEMORRÓIDAS Também chamadacaseira. Existem orações e simpatias para tratá-las, como sentar-se no couro do bicho preguiça. Usam banhar com erva-de-bicho. Colocam o pó da pele torrada da moela de galinha(MG). MALEITA O mesmo que malária. Maleitado, com febre. Além de remédios, encontramos uma simpatia engraçada para afastar ou queimar a maleita. Querendo proteger-se da doença, a pessoa leva na cabeça um feixinho de gravetos até uma encruzilhada. Lá prepara uma trempe como se fosse uma fogueira e diz três vezes:Maleita, fica aí que eu vou buscar fogo pra fazer café para nós. Depois afasta-se sem olhar para trás, que a maleita ficará presa entre os gravetos.12 PREGO O gesto mágico de bater um prego numa árvore para livrar de febre, dor de dente e hérnia, já existia na Europa antiga precristã e perdura até hoje. Conforme uma simpatia tradicional em Betim(MG), para diminuir o umbigo grande da criança, a mãe deve bater um prego novo num cupim. Na medida que o prego some pela ação do cupim, o umbigo vai diminuindo. PROTEÇÃO Plantas como espada-de-São Jorge e guiné são usadas como simpatia e protegem moradias e locais de comércio de maus olhados e outros fluidos maléficos. [Image] R E Z A : Em Araçuaí(MG), registrei umas 2500 rezas. Boa parte serve para curar doenças. Muitas para quebranto. Outras tantas para estancar sangue numa ferida, para engasgo, para dor de dente, dor de pontada, para lombrigas, para cobreiro, para íngua e muitas outras. Algumas orações não podem ser reveladas. Algumas são preventivas, como a oração de São Bento para cobra não ofender. No nosso contexto, o benzimento ou a bênção é um ritual de cura. Há benzimentos para doenças específicas e outras que servem para qualquer doença. Por ex., faça um sinal da cruz e diga: Eu te benzo pelo nome que te puseram na pia, em nome de Deus e da Virgem Maria, e das três pessoas da Santíssima Trindade, eu te benzo. Deus nosso Senhor que te cura, Deus que te acuda nas tuas necessidades. Se teu mal é quebrante, mal invejado, olhos atravessados ou qualquer outra enfermidade, se te deram no comer, no beber, no sorrir, no zombar, na tua formosura, na tua gordura, na tua postura, na tua barriga, nos teus ossos, na tua cabeça, na tua garganta, nas tuas lombrigas, nas tuas pernas. Que Deus Nosso Senhor que há de tirar, vem um anjo do céu, deita no fundo do mar onde não ouça galinha e nem galo a cantar.Faz-se uma cruz em cima o copo e reze o credo três vezes, na segunda vez reze um PN à Santíssima Trindade e na terceira vez uma Salve Rainha a Nossa Senhora. Faça essa oração três dias seguidos. Antes do benzimento colocar um copo com água e depois dar para a pessoa beber.(Casa Branca.SP. 1994) No ritual da cura, não se separam corpo e alma. Não é possível salvar somente a alma ou apenas o corpo. Por isso, é possível estar com o diabo no corpo. E até: deitar a alma pela boca. Nas doenças amarram um cordão de orações no corpo, oferecem no santuário o peso do corpo em cera. Numa oração para parto e numa outra contra lombrigas, anotam-se numa tirinha de papel as letras iniciais da oração, para serem engolidas. Muitos trazem no corpo as marcas do sofrimento, da seca, da violência, da pobreza, da doença. Para ficar invulnerável contra todos os males e perigos existem os rituais para fechar o corpo. Algumas fórmulas de rezas são tão antigas que suas origens seguramente se encontram na mitologia germânica ou céltica do início da história da Europa pré-cristã. Temos o exemplo da reza de izipa, encontrada num código austríaco do séc.IX, ainda na época da cristianização da Europa por Carlos Magno:Do tutano deu no osso, do osso deu no nervo, do nervo deu na carne, da carne deu na pele, da pele foi para as ondas dos mar etc, etc. Mas, mesmo assim, as rezadeiras se adaptam aos tempos modernos. O micróbio já entrou na oração contra dor de dente. O gelo na bênção da carne quebrada. Duas formas de oração ligadas às curas: - A oferta do ex-voto, objeto de cera, madeira, prata e outros materiais, em forma de cabeça, perna, peito e outras partes do corpo humano: ou então, muletas, pinturas, fotografias, miniaturas, para pedir e agradecer curas, proteção divina em perigos, graças alcançadas ou outra experiência religiosa. Os ex-votos ou ‘milagres’ são deixados em santuários de romaria. - O exorcismo ou esconjuração. Em nome de Deus e através de rito ou palavra dominar e expulsar um espírito mau e os vermes de doentes, possessos de demônio ou encosto. O exorcismo tem como resultado a cura, a reconciliação e o perdão, enfim, a salvação. Hoje usado frequentemente nas igrejas pentecostais e no movimento carismático católico. Grandes epidemias históricas deixaram suas marcas na oração pública. Vários benditos de São Sebastião, São Barnabé, e de São José falam em “peste, fome e guerra”. Especialmente os cantos de penitência. Muitas destas coisas tem origem portuguesa e devem ter surgidas nas epidemias, crises de fome e nas guerras de reconquista e cruzada acontecidas em Portugal. Crises de fome em Portugal aconteceram em 1202, 1310, 1333-1334, 1521-1522, 1597, 1655, 1659. O ar é um dos quatro elementos e está muito presente nas bênçãos. Vejamos a oração contra mal-de-vento-excomungado(ou: ar bravo), em Ponte Nova(MG): Vento maldito vento excomungado Nosso Senhor não te quer aqui. Nossa Senhora há de ti tirar. Nossa Senhora há de ti levar. Ou então: Vento mau excomungado, vento maldito, vento que Nosso Senhor não deixou no mundo, Se é na cabeça, São Anastácio tira. Se é nos olhos, Santa Luzia tira. Se é no nariz, Santa Iria tira. Se é na boca, Nossa Senhora tira. Se é na orelha, São Francisco tira. Se é nos braços, santa Cruz tira. Se é no corpo, Senhor dos Passos tira. PN. AM.13 Uma oração contra queimaduras menciona três do quatro elementos: O fogo não tem frio, a água não tem sede, o ar não tem calor, o pão não tem fome; São Lourenço, curai estas queimaduras pelo poder que Deus vos deu. Fazer o sinal da cruz e oferecer um PN para São Lourenço.14 A oração vem junto com o remédio: folhas machucadas de abóbora colocadas em cima da queimadura. Há quem cura queimadura com cuspo. Existem alguns rituais de cura que colocam o tratamento encrustrado na oração, isto é, reza parte das palavras antes e outra depois. Por ex., quando se vê que um parto será difícil reza a Salve Rainha até “nos amostra” e quando a criança nasceu continuam “o bendito fruto do vosso ventre Jesus etc”. A verdade cura. É importante observar de que maneira algumas grandes verdades aparecem em orações para curar, juntamente com a fórmula: Assim como isto verdade é, etc.. Concretamente, numa bênção de mau-olhado: <...> Jesus Cristo mente? Não Jesus Cristo não mente! Assim como Jesus Cristo não mente, este mal não vai adiante. Da mesma forma usam a verdade: Maria é Virgem, na oração contra a moléstia do tempo. E para curar bicheira afirmam: Trabalhar no domingo não vai para frente; Quem come e não reza, não se salva; Limpas ficaram as cinco chagas de Nosso Senhor; e: Quem come e não reza, não se salva. Rezam: Assim como trabalhar no domingo não vai para frente, esta bicheira não vai adiante. Cai de um em um, cai de dois em dois etc. O assunto é rico e estenso. Aqui apenas lembramos alguns elementos importantes.[Image][Image]Capítulo: 5.C O N C L U S Ã O Na cultura popular a cura implica num ritual: uma oração no sentido amplo, que não contradiz a simpatia, nem o remédio. A reza, a simpatia e o remédio formam o sagrado, o sábio e o competente tripé da medicina popular. No tratamento popular, remédio, simpatia e reza não se separam no tratamento da pessoa doente. Por fim, fica a pergunta: o que fazer com os valores da Cultura Popular na nossa medicina, na nossa vida, na nossa ciência? Duas coisas são certas: · É minha convicção que ainda sabemos muito pouco sobre a vida e a religião dos pobres. · Quando nos defrontamos com a espinela caída e outras coisas curiosas da medicina popular, temos vontade de rir e de considerá-las inúteis, porque não tem sentido para nós e não combinam com nossas teorias. Aí, eu lhes pergunto: quando finalmente vamos pensar a partir do outro que é diferente. Precisamos tentar conhecer sua história e realidade. Os remédios, as simpatias, as rezas fazem parte do agir coerente dos pobres do Brasil.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:1. ALVES, Paulo César Borges. "A Dimensão Social da Doença no Jarê." In: Cadernos do CEAS. Nº150. Março/Abril, 1994. p.70.
2. DINIZ, Pompílio. Poemas. Goiânia, 1987. p.55-58(citamos apenas 7 versos).
3. LACERDA, Regina. Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro, Funarte, 1978. p.60.
4. CÉSAR, Getúlio. Crendices no Nordeste. Rio de Janeiro, Ir.Pongetti Ed., 1941. p.66.
5. Registrado por: Maria José Esteves. Divinópolis(MG), 1973.
6. Informante: Irene França dos Santos, abril de 1984. Apud: Souza, José Evangelista. Pe. C.M. Raízes e Histórias. Vol.I. Petrópolis, Vozes, 1989. p.53.
7. Jornal Previcaixa. Out/1993. p.2.
8. Registrado por: Míriam Edinée Leodoro. Divinópolis(MG), 1973.
9. Livro cujo título completo é "O non plus ultra do Lunário e Prognostico perpétuo geral, e particular para todos os reinos e provincias." Composto por Jeronimo Cortez Valenciano. Emendado e traduzido em português por Antonio da Silva Brito. Lisboa, Typ.de Matias José Marques da Silva, 1858. A primeira edição em português é de 1703. Em 1594 saiu a primeira edição em castelhano.
10. Porantim. Ano XIII Nº136.(Brasília.Março/1991) p.11.
11. ROMERO, Sílvio. Cantos populares do Brasil. Tomo II. Rio de Janeiro, José Olímpio Ed., 1954. p.678.
12. NEGRÃO, Walter. et alii. Rezas, benzeduras, simpatias. São Paulo, Ed.Três, sem data. p.413.
13. MERHEB, Alice Inês Silva. Sol e chuva ... Casamento de viúva. Viçosa, U.F.V., 1976. pp.34-35.
14. AZEVEDO, Téo. Plantas medicinais, Benzeduras e Simpatias. São Paulo, Global Editora, 1984. p.172.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
Medicina Indígena Brasileira: Comparação entre o Saber dos Pajés e a Medicina Antroposófica
por Wesley Aragão de Moraes
INTRODUÇÃO
Uma grande missão da antropologia é conhecer o outro, o diferente, para que, assim, possamos saber de nós próprios. Auto-conhecimento também é, de outra forma, uma proposta da antroposofia. Saber, para ajudar é uma meta do médico. No Brasil, vivemos uma situação cultural peculiar, multicultural, onde isto é especialmente possível, onde outros e nós se confundem e se mesclam. O raciocínio darwinista do século XIX era simplista ao afirmar que o índio é portador de uma consciência “atávica”, arcaica, ainda espiritualizada, enquanto o branco vive na luz da consciência da modernidade. Na verdade, índios e brancos convivem no mesmo mundo, o atual. Cada qual, por uma trajetória distinta, foram lançados na “época da alma da consciência” (Steiner) e cada qual procura sobreviver física e espiritualmente nesta, dentro das opções e contextos de que dispõem – pois caracteriza justamente esta época a multiculturalidade globalizada. Por isto, cada um pode dar algo do que tem de melhor ao outro, compondo assim novas propostas de vida.
Os povos indígenas e seu legado não são páginas do passado, mas, ao contrário, continuam presentes e aumentando sua população. A Antroposofia se propõe a ser uma via contraposta ao materialismo moderno, falando de um mundo todo-espiritualizado no qual vivem os indivíduos. As cosmovisões indígenas, por outro lado, tem sua trajetória à parte do processo que produziu a modernidade ocidental, até a colonização. A partir daí, as etnias indígenas passam a se integrar/confrontar, de modo brutal, com a modernidade (“era da alma da consciência”- Steiner), tornando-se, destarte, parte dela. Temos assim, uma situação peculiar, onde cosmologias míticas e animistas convivem e se inserem e são inseridas num mundo materialista, individualista e capitalista. Por outro lado, antroposofia e cosmologias ameríndias tem em comum a noção de um mundo encantado e permeado de essências suprassensíveis. A primeira, situa-se no contexto de indivídualismo ocidental europeu – na cidade-, as últimas, no contexto da comunidade tribal dos trópicos – na aldeia da floresta. Polaridades e afinidades…
O Xingu é um fenômeno espiritual único no mundo. Lá convivem, há mais de mil anos – conforme dados arqueológicos – pelo menos quatorze povos diferentes, falando línguas diferentes e de origens diferentes. Cada qual tem suas próprias aldeias, seus próprios valores, e se comunicam pacificamente e trocam bens de uma forma harmônica. Segundo os nativos, isto se deve à presença próxima deMavutsini, ser solar criador, que vive na região e os direciona. O Xingu se situa exatamente no centro do Brasil e da América do Sul. Isto nos faz pensar…
Tenho, já há alguns anos, trabalhado e estudado a etnobotânica medicinal indígena e as práticas rituais e concepções de cura de índios, basicamente pertencentes ao grupo lingüístico Tupi-Guarani2) – principalmente, os guarani (região sudeste do Brasil) e os kamaiurá (Xingu, MT, região centro-oeste). Aprendendo aos poucos sua linguagem, convivendo e visitando estas culturas, assistindo às suas práticas de cura, verificando suas ervas mágicas e curativas, lendo os relatos de cientistas naturais e de etnólogos a respeito, formei assim alguns elementos teóricos e observações, os quais procuro compartilhar com os interessados.
A COSMOVISÃO CURATIVA INDÍGENA
Impossível entendermos a medicina indígena sem termos uma noção de sua cosmologia.
De uma forma generalizante, como uma síntese, podemos reunir todas as cosmologias dos vários grupos de fala Tupi-Guarani em uma só grande cosmologia, a partir de seus elementos comuns. Esta síntese já foi esboçada pelo etnólogo Metráux(3) , nos anos 50.
O Mundo Espiritual
Para os índios tupi, o mundo sensível é somente uma parte de uma totalidade ternária que inclui também um mundo suprassensível espiritual e também um mundo suprassensível anímico. O mundo espiritual é habitado pelos deuses criadores (tais como o Monan,ou Mayra, tupinambá; o Nhanderu – “nosso pai”- guarani; o Mavutsini xinguano), pelos heróis culturais (os seres gêmeos-planetários que criaram animais e plantas e outros heróis míticos) e pelos espíritos dos humanos (Ayvu, em guarani; Mái, em araweté; E’ami, em juruna).
O Mundo Anímico
O mundo anímico, distinto do mundo espiritual, intermediário entre este último e o mundo sensível, é habitado pelas almas dos mortos (Anhang em guarani e em kamayurá; em tupinambá, ang-uera – alma sem corpo; I’nay, em juruna; Ani, em araweté). Diferente dos espíritos, as almas dos mortos são mortais tanto quanto nossos corpos. Elas sofrem uma “segundamorte” que é representada de forma imaginativa: Os Kamayurá dizem que as almas sofrem um ataque de pássaros vorazes que as vão devorando, devorando, até que elas chegam diante do Uirapy, o grande gavião celeste, que as devora totalmente. Os Araweté dizem que as almas são devoradas pelosMái, deuses, num banquete antropofágico celestial. Depois de devoradas, entretanto, os deuses as refazem em um enorme caldeirão e elas ressurgem lindas, renovadas, rejuvenescidas, metamorfoseadas em Mái(4).
Para o indígena, portanto, a entidade humana compõe-se de uma parte física, visível – a “pele”(Py), em kamaiyrá, termo que também pode ser traduzido por “vestimenta” ou “forma”. Morrer (manon) é “deixar a vestimenta e ir embora”. A “veste” é animada por uma entidade considerada material, que se separa do cadáver após a morte e fica em torno da tumba, assombrando os vivos que por ali passarem. Esta entidade etérica (anguery, em guarani) dissolve-se com o tempo ou pode ser dissolvida pelo pajé. AAnhang-Alma, por sua vez, é dotada de uma natureza animal. Assim, é comum entre os guarani que se diga “tal pessoa é agitada porque sua alma é de jandaya”, ou “ele é raivoso porque sua alma é de onça”, enfim. Animal e homem tem continuidade, são unos, através do Anhang. O Ayvu (Lógos), Espírito, é a “alma-estrela” e vive na Terra-sem-Mal, podendo reencarnar de vez em quando, para os guarani(5). Para os Kamayurá, o espírito ilustre torna-se um tipo especial de mamaé superior não selvagem. Temos, destarte, uma quadrimembração:
1- Forma Física, “Pele”- Py 2- Duplo etérico do corpo - “Anguery”
3- Corpo Animal – “Anhang” 4- Espírito - Ayvu, Mamaé
Conforme o arque-mito tupi da Criação, Monan-Maýra(Mavutsini no Xingu) estava só e então desejou fazer os humanos, a partir de troncos de árvore. Fez mulheres, primeiro, sua filhas. E depois mandou que elas se casassem com a raça dos jaguares míticos –seres titânicos muito ferozes, seres do caos. Deste casamento das filhas de Monan com as onças é que descendem todos os homens e mulheres. Por isto temos uma essência divina, Ayvu, e Monan é nosso avô celeste, e somos – como dizem os Araweté(4), “deuses esquecidos aqui na terra”. Por outro lado, todos nós temos “sangue de jaguar”, somos filhos da Onça Primordial, e por isto guardamos parentesco com toda a ferocidade predatória e canibal que a natureza apresenta.
SERES ELEMENTAIS, MAMAÉS
Reluto em revelar um magno arcano.
Tronam deidades em augusta solidão.
Sítio não há, tempo ainda menos, onde estão.
É um embaraço falar delas. São as Mães.
(…) Estranho é mesmo; Deusas ignoradas
De vós mortais. Por nós, jamais nomeadas.
Vai, pois, buscá-las nos mais fundos ermos;
É tua culpa o delas carecermos.
(Goethe, Fausto I)
O mundo anímico também é habitado pelas “Mães”, criaturas geradas pelos deuses, mas pertencentes a uma hierarquia inferior, e que regem ou guardam, ou animam, ou vitalizam, seres vivos e fenômenos naturais. No Xingu, os Kamayurá denominam estas Mães pelo etnônimo Mamaé. Os índios Yagua, da Amazônia Peruana, distinguem, no Cosmo, as Hamwo(Mães). Uma floresta, com imensas árvores, arbustos, cipós, rios, peixes, pássaros, mamíferos, répteis, é cheia de “mães”(6). As Mães são forças viventes e animadoras dos seres, e também fontes de sabedoria cósmica, mestras dos xamãs. As Mães mais poderosas são aquelas que animam as “plantas fortes” (as que são mágicas, psicodélicas) e a certos animais – como o jaguar, os veados, a lontra, etc.. As Mães podem se manifestar aos homens sob diversas formas, diversas aparências, com cores e aspectos específicos para cada tipo. As cores, como experiências visuais privilegiadas, assinalam qualitativamente as Mães. Também elas assumem aparência teriomorfa (serpente, pássaro, jaguar, borboleta, tapir, minhoca, etc.), ou antropomorfa, ou de fenômenos (vento, fogo, água, etc..) e tem, conforme os índios, “velocidades” distintas. Entre as diversas culturas indígenas, estas “Mães” podem ser descritas não necessariamente como entidades femininas, pois a concepção indígena de espíritos da natureza transcende, neste caso, os gêneros. Daí é que temos em nosso folclore expressões como “mãe d’água”, “mãe do ouro”, etc..
As “Mães” são aquilo que Steiner denomina “entidades elementais da natureza”. A nomeação destas entidades, em Steiner, provém das tradições folclóricas e esotéricas européias e se contrapõe a uma noção materialista de natureza inanimada e mecânica. A existência e a interação com equivalentes americanos destas entidades são vigas-mestras da concepção indígena de saúde, doença e cura. Os Mamaé ,dizem os Kamayurá, foram criados por Sol e Lua e não vivem para sempre, um dia desaparecem, “vão como o vento”…Estão em tudo que é vivo.
Os “elementais” aqui do Brasil indígena não obedecem tão clara e simplesmente à concepção quaternária européia, colhida pelos folcloristas irmãos Grimm, de seres do fogo, do ar, da água e da terra (salamandras, silfos, ondinas e gnomos, respectivamente). Aqui, estes seres são concebidos como multiformes, constituídos de uma infinidade de tipos e de formas, em geral antropomórficos, mas também zoomórficos, ou mesclados entre algo que lembra o humano e algo que remete ao animal, geralmente envoltos em roupagens vegetais. Como os elementais europeus, os daqui não são bons nem maus, mas neutros – embora possam atuar num ou noutro sentido. Não são “demônios”, como interpretaram os jesuítas do século XVI. Antes, seriam forças irracionais, inconscientes, amorais da natureza, ligadas aos processos de vida e de morte. Alguns deles são “ogros”, seres predadores e canibais da floresta, descritos como “anões dotados de dentes pontiagudos, enormes corcundas e que exalam fedor” – não são essencialmente maus. Outros são descritos como lindas cunhãs enfeitadas, ou anões ctônicos, ou seres aquáticos ou alados…Nas festas indígenas, tais seres são invocados e celebrados – através de máscaras que os representam- para que convivam em paz com os humanos. Seriam manipuláveis pelo homem. Todo pajé tem um ou mais de um mamaé ao seu serviço. O indígena não concebe nada que se assemelhe ao ‘diabo” ocidental – o mal absoluto personificado. O “anhangá” visto como o diabo é uma deturpação dos jesuítas (originalmente seria um fantasma, uma assombração). Destruição, predação são contra-faces da Vida, e não o mal. Mesmo o mamaé kamayurá mais temido, Anhang.ú, não é mau, é selvagem como um jaguar, indomado, assustador, faz barulhos na mata e pode atacar. Por outro lado, “Tupã” nunca foi o Deus Supremo dos tupis, mas o elemental do trovão e do raio, entre outros elementais do panteão tupi. Steiner, por sua vez, afirmava que os “elementais são libertados pela cultura humana, desencantados pela espiritualização cultural dos elementos naturais”(7) – canto, dança e manufatura humana os libertam, ou seja, os retiram de sua condição “selvagem” e os remetem à uma condição domesticada, humanizada. Quando uma árvore morre, é porque seu mamaé se esvaiu, se retirou. Tornada uma canoa, ele se espiritualizou.
MÚSICA E SONHOS: ELEMENTOS CÓSMICOS
O mundo físico, também entre os guarani, é produto do Neen’g, o Verbo dos deuses. A Fala é o elemento criador. O Mavutsini xinguano criou gente a partir de dança, música e canto. Esta relação arquetípica do Verbo com a Criação é também uma das bases daantroposofia.
O sonho é outro elemento fundamental, aliás, para a comunicação entre o sensível e o suprassensível. O índio não reconhece uma descontinuidade entre sua vida cotidiana terrestre e aquilo que se passa quando ele sonha. O mundo dos sonhos é, portanto, também o mundo das almas, dos espíritos e dos mamaé. Cantar, fazer música e dançar são reproduções sensíveis do elemento dos sonhos. Ouvir as histórias sagradas também é remeter ao mundo musical do sonho. Steiner também diz, muitas vezes, da relação entre os sonhos e as realidades anímicas-espirituais.
PLANTAS MEDICINAIS
Na mata atlântica, um pajé me mostrou uma determinada planta – imeneop – à qual ele atribui o poder de curar esta doença de brancos denominada diabetes –o que foi a ele revelado por seu mamaé. É uma planta oleoginosa, que exala um perfume fortíssimo, e que, conforme o mito xinguano, foi usada por Mavutsini para perfumar e firmar a forma original do ser humano recém-criado. Colhi a planta, levei-a ao departamento de botânica da universidade para sua identificação: Siparuna guianensis, da mesma família do Peumus boldus, monimiáceas. É desconhecida sua ação anti-diabética, até então, mas se sabe que tem princípios ativos antiofídicos, anti-oxidantes e anti-inflamatórios. A observação goetheanística revela uma planta que irradia uma atmosfera de calor em torno de si, de folhas generosas e bem desenhadas, frutinhos vermelhos que lembram o café maduro. Isto aponta para o organismo calórico humano, para os processos térmicos que permitem a encarnação de eu – conforme a linguagem antroposófica. Como a planta tem baixa toxicidade, passamos a utilizá-la clinicamente, testando sua eficácia na diabetes do adulto, em preparados dinamizados. Da mesma forma, temos seguido este procedimento em relação a inúmeras outras plantas nativas.
Em termos antroposóficos, dir-se-ia que as plantas dotadas de forte astralidade e cheias de alcalóides, como o tabaco, ou o paricá (Anadenanthera peregrina), tornam-se mediadores entre o mundo sensível e o mundo anímico-elemental – uma vez inseridas no corpo dos pajés. O objetivo destas plantas é o da indução de estados alterados nos pajés. Todavia, os mais experientes deles alteram seus estados de consciência simplesmente pelo canto e pela dança. As plantas que exalam óleos voláteis, sendo, portanto, odoríferas, são geralmente utilizadas como plantas de limpeza ou como capazes de reconstruir limiares rompidos entre pessoa e mundo (“fecham o corpo”) – como, por exemplo, aSiparuna guianensis. Um pajé kamayurá me disse algo típico: “As plantas são maraká (música) e cantam o tempo todo. Tratar com plantas é o mesmo que o tratamento com cantos e instrumentos”. A harmonia musical das plantas reorganizaria e exorcizaria as desarmonias da musical e orquestral alma humana. As plantas são consideradas dádivas primordiais de Kwat, o Sol, foram deixadas na terra pelos deuses quando partiram. Os animais, por outro lado, não são música, mas são feitos de Ne’eng (fala) – mais terrenos.
O espaço aqui não permite uma explanação ampla doCaá-Nhemoé – o ensino das plantas Tupi. O índio tem uma intensa relação com o vegetal. Faz sal de aguapés e de palmáceas; faz arcos e flechas, casas, redes, transforma mandioca venenosa em comestível; faz venenos para caça e pesca, pigmentos e temperos, e remédios. Os Guarani, como os Kamayurá, possuem a noção de que a planta é um ser solar, algo espiritual, que tem relação com o mundo musical cósmico. O Sol em pessoa ensinou aos primeiros homens quais os cantos que deveriam ser entoados quando se colhem medicinais/" title="View all posts filed under ervas medicinais">ervasmedicinais. Os elementais das plantas, através de cantos, são invocados e atiçados contra os elementais canibais da doença(8). Muitas vezes, o elemental da planta é o mesmo elemental causadorda doença: o selvagem contra o domesticado (umahomeopatia xamânica). As plantas precisam ser “acordadas” através da musicalidade. Se não acordada, a planta é somente “forma”. O antropósofo diria que o indígena enfatiza as essências etérica e astral das plantas, mais que sua forma física. Colhidas, as plantas podem ser usadas sob a forma de banhos (Okutsinok, limpeza, em kamayurá), ou infusão (muanarip), ou vapor (omuiauk), ou como colar (ypohüt). Também existe a técnica de se raspar a pele e se aplicar sobre o local o cataplasma da planta (oyait). Algumas plantas de minha pesquisa são: Uuitang (Myrcia selloi), que tem um córtex adocicado, sendo a raíz tanínica usada para gargarejos e anti-inflamatória, também de “limpeza”;Depopsiatã (Helicteres guazumaefolia), usada para diarréias, tanínica; Yaukap (Eupatoria sp.), cuja raíz perfumada é usada também para “limpeza”; Yacaré-aruái (rabo-de-jacaré, epífita não identificada), que é excelente para mialgias, aplicada sobre a pele escarificada; Mutuhuku (Tibouchina sp), melastomácea excelente para pneumonias e bronquites, usada como emética; Matawi (Xilopia brasiliensis), grande árvore ammonácea, com ela se fazem as toras das ocas dos caciques, cheia de óleos aromáticos e alcalóides, usada para doenças da pele e “limpeza” (banhos) e para enxaqueca.; Urapahán (Cecropia sp), usada para estimular crescimento infantil; Mamaé-Areá (Dichondra microcalix), para sonhar bem; e muitas outras. O grande segredo indígena é a mistura de ervas, produzindo, assim, combinações novas que tem efeitos inéditos aos efeitos de cada planta isolada. O branco pensa nas plantas isoladamente.
OS ÓRGÃOS INTERNOS, OS PLANETAS E O COSMO INDÍGENA
Para o pajé Kamayurá, como típico tupi, os órgãos anatômicos se confundem com funções anímicas. Um órgão interno e sua fisiologia não é imaginado como “carne inerte”, ou como algo mecânico, mas como expressão ou parte das atividades psíquicas de homens ou animais. O coração (Ye-rowé – meu coração) é a atividade afetiva da alma; o pulmão (Ipotsiá) se confunde com a “respiração” e a sede doneeng, a palavra-entendimento tornada corpo; o fígado (peré ) e os rins (üke-aü) são instâncias anímicas de consciência que devem ser guardadas de “infecções” causadas por mamaés ou anhangs. O sangue é espiritualizado. Segundo um antigo mito tupi, a Via Láctea se formou através do espirro de gotas de sangue de heróis divinos. Os órgãos sexuais são vistos como algo de fora que foi incorporado aos homens e mulheres. Um mito Juruna conta que o pênis ficava chorando, chorando, querendo a vulva. Só parou de chorar quando puseram os dois juntos. O Criador juruna então resolveu por tais órgãos entre as pernas humanas. A anátomo-fisiologia indígena é inseparável da sua psicologia, e descritas por imagens e mitos.
Os índios do Xingu constróem suas aldeias conforme uma planta circular, estando a “casa dos homens” no centro do círculo. O céu estrelado, aparece como uma gigantesca cúpula de planetário natural. Toda a aldeia é orientada conforme as direções do poente e do nascente, norte e sul, planetas, estrelas e constelações recebem nomes mitológicos – incluindo os espaços escuros do céu. São seres míticos que desfilam “pelo espaço interno da aldeia”, diariamente. Assim, toda a aldeia, embaixo, é uma imagem especular do Cosmo, acima, e a sombra da casa dos homens, durante o dia, funciona como um gigantesco relógio. As constelações demarcam época de chuva e seca, época de plantio e colheita, época de festas, etc.(9). As estrelas alfa e beta do Centauro são os dois olhos brilhantes do Grande Jaguar, pai do Sol e da Lua, que nos fitam do céu. Os guarani reconhecem quatro diferentes qualidades cósmicas, irradiadas pelo norte, sul, leste e oeste – configurando quatro tipos de almas que descem à terra, cada qual ligada a um grande espírito e portadora de qualidades específicas que serão registradas em seus nomes e estarão visíveis em sua forma física. Nimuendaju(5)admitia que esta noção guarani corresponderia `a noção euro-ocidental de quatro temperamentos como resultantes de quatro qualidades de forças formativas cósmicas.
Na cosmovisão antroposófica de Steiner, os planetas são essencialmente forças que ordenam o cosmo interno do homem, configurando-o, “o homem é um cosmo planetário”.
Embora encontremos representações ameríndias – maias, astecas e incas – muito precisas a respeito do sol, da lua e dos planetas e astros (justamente entre etnias que tinham metalurgia, escrita e calendários complexos), as imagens astronômicas dos demais índios, até os atuais, é mais difusa e complexa de se decifrar. Os planetas estão lá. Sol e Lua são os gêmeos antípodas – Tanendonare e Aricoute , em tupinambá antigo, Kwaracy e Yaci, na língua geral –Kwat e Yaü, em kamayurá atual. Os outros astros são expressos como seres míticos, como animais sagrados, que exercem uma função cósmica definida. Aquilo que os antropósofos chamam por “arquétipos planetários” estão difusos, dissolvidos, fundidos, nos mitos indígenas atuais, no meio de personagens e espíritos. Há um contraste evidente, na imaginação indígena, entre um Cosmo ordenado pelos deuses –Monan, Sol e Lua – e as forças do Caos, jaguares primordiais, que tentam devorar tudo. As eclipses do sol e da lua são vistas como o canibalismo do Jaguar celeste, que devora sol ou lua – lançando o mundo no caos. Por isto, em eclipses, os pajés convocam as aldeias para ritos de resguardo. Nos eclipses, os mamaés e anhangs invadem o mundo dos vivos e causam distúrbios: Alterações no céu correspondem a alterações na terra. Conforme o mito tupi, foram justamente Sol e Lua que venceram os jaguares primordiais, instaurando a ordem cósmica no mundo (no microcosmo humano também, portanto, quando o ímpeto civilizador e ordenador do espírito humano supera o ímpeto canibal e de animal predador). Nadoença, o indivíduo é, portanto, possuído pelas forças cósmicas que tem parentesco com as forças do caos – forças canibais. São as forças canibais que, vaidosas, querem conquistar o Cosmo pelo devoramento e pelo ódio guerreiro. Sinais e sintomas, como febre, inchações, convulsões, dores, abcessos, etc., são interpretados como ação de mamaés selvagens, que seguem a lógica predatória dos jaguares primordiais, rompendo a ordem cósmica interna – a qual deverá ser restabelecida pelo pajé. Tais forças, dizem os índios do Xingu, regiam a alma dos antigos e atuais “índios bravos”, dos que eram canibais, dos brancos e de tudo que come carne(10). Cabe ao pajé restaurar a ordem cósmica – como fizeram sol e lua – curando o doente. O pajé transforma as forças do caos, do ímpeto canibal dos mamaé selvagens, em forças civilizadas (do sol e da lua) – como observou o antropólogo alemão Münzel(11). Mavutsini-Monan é o Criador, detentor da Imagem Arquetípica do Homem – pois ele fez gente dando-lhe olhos, pernas, braços, cabeça e adornos plumários conforme a sua própria imagem e semelhança. A força mais poderosa a qual um pajé recorre quando ameaçado por mamaés caotizadores é Ele, Mavustsini. Ele tem um “sol em seu peito, mas não é este sol do céu, é outro sol” – dizem.
A CONSULTA DO PAJÉ
Quando o médico antroposófico está diante de seu paciente, procura ver neste não apenas a forma física, mas também a dinâmica psico-espiritual do ser humano. A doença será vista como um processo que contém um significado existencial, ao mesmo tempo que é ruptura de um equilíbrio instável. Para o indígena curador, o paciente também é uma forma física e uma dinâmica psico-espiritual rompida em seu equilíbrio instável; sendo o doente afetado por três tipos possíveis de doenças: Doenças corporais,doenças de branco ou doenças espirituais. As primeiras são tratadas não pelo pajé, mas pelo “raizeiro”(Yapóayat) homem ou mulher que tem o conhecimento das plantas tradicionais. É um tipo inferior de pajé, cujo modo de raciocinar é tanto “alopático”, quanto “homeopático”. As doenças de branco (Karaib-auãn) são aquelas que os caraíbas trazem (como resfriado, sarampo, tuberculose, sífiles, Aids, por exemplo) e que eles próprios tem remédios(são produzidas por umas “coisinhas pequenas que ninguém vê”). As doenças espirituais são da alçada dos pajés. O diagnóstico e a distinção entre os tipos de doenças é feito pelo pajé ou se dá por eliminação. Podem fazer adoecer , ou matar, uma pessoa os mamaé ou as almas dos mortos. Mas isto acontece somente se a pessoa quebra alguma defesa e se expõe a algum interdito rompido. O pajé trata dasdoenças causadas por forças suprassensíveis que produzem manifestações corpóreas e/ou anímicas.
As doenças que o pajé trata são invasões dos mamaé ou dos mortos para dentro da dinâmica orgânica dos vivos – desde que os vivos tenham, antes, se aberto às tais influências. A alma dos vivos pode ser sugada, vampirizada e “roubada” por uma entidade elemental (mamaé), ou por um morto (Anhang), por exemplo. O paciente será visto pelos parentes como tendo ficado “abobado”, estático, ausente. Este é o quadro clássico de Soul Loss (em inglês, perda de alma), observado entre várias sociedades tribais, na África, na Ásia e nas Américas. Uma criança repentinamente ficou “autista”. O pajé é chamado, identifica qual elemental roubou a alma da criança, negocia com este elemental e devolve a alma. Os diversos elementais-mamaé produzem síndromes características que são identificadas e tratadas especificamente: Tal mamaé da água produz inchações; tal mamaé do ar produz tosses e dispnéia; tal mamaé de tal árvore produz dores abdominais; etc.. Um indivíduo vai cortar uma árvore. Não percebeu que esta árvore tinha um “dono”, um mamaé-da-árvore. Dias depois de cortar a árvore, o indivíduo adoece – sem saber por quê. Nenhuma erva ajuda na cura. O pajé é chamado. Ele vem ver o paciente, deitado na rede. O pajé sonha à noite ou tem uma visão depois de fumar seu tabaco: O paciente adoece porque cortou uma árvore que tinha “dono” – havia um elemental dentro da árvore. Este elemental o atacou, introduziu no corpo do paciente um pequeno elemental–canibal que desorganiza os humores do paciente. O pajé identifica o elemental-mamaé e sabe qual é o ritual apropriado a esta raça de mamaé, para afastá-lo do paciente. Antes disto, o pajé deverá retirar o mal, soprando tabaco, sugando a pele do paciente, cantando, e expulsando-o através de uma espécie de “passe magnético” que puxa para as extremidades a força intrusa. Alguns pajés costumam “materializar” o mal, exibindo-o na palma da mão, como um pequeno objeto escuro – que é logo desmaterializado através de uma baforada de tabaco. O doente ainda terá que ingerir determinadas plantas eméticas e purgativas, banhos e escalda-pés para ficar “limpo”(pipotsu) – pois a doença é vista como presença de uma ‘sujeira’ (Ywaú). O doente “se sujou” porque estava “fraco”, e deverá ser transformado em “forte”, pela ação do pajé.
Entre médicos antroposóficos, a interferência negativa dos mortos sobre os vivos geralmente não é tratada, embora uma hipótese que deveria ser pensada. A questão é remetida ao âmbito da medicina pastoral e à atuação do sacerdote. No Brasil, todavia, pacientes espíritas ou esotéricos podem procurar ajuda para este tipo de questão entre ajudadores mediúnicos urbanos.
CONCLUSÕES
Há uma convergência entre certas noções daantroposofia e certas noções nativas indígenas – espíritos da natureza presentes nas plantas, atuantes na cura e na doença, elementares produzidos pelas pessoas que atuam no meio social, a necessidade de transformação do indivíduo (noção esta perfeitamente clara para o indígena, que vive em sociedades anárquicas, sem governo, onde cada um é responsável por si próprio). A linguagem e o contexto são, entretanto, distintos.